Hernâni Donato já foi chamado de "o homem dos sete instrumentos". Isto porque, aos 89 anos de idade, membro da Academia Paulista de Letras, é autor de mais de 70 livros, nos mais variados campos da atividade humana, indo da literatura infanto-juvenil à biografia, da historiografia aos costumes, da pesquisa à divulgação científica. Entre as numerosas traduções que realizou, destaca-se a da "Divina Comédia", de Dante Alighieri, em prosa e para divulgação entre o povo. Mas foi no romance que se deu a perfeita combinação do observador minucioso, na linha do cientista social, com o escritor de estilo claro e elegante. É o autor de "Selva Trágica", "Chão Bruto", "Rio do Tempo", "O Caçador de Esmeraldas" e "Filhos do Destino", sucessos editoriais nas décadas de 1950 e 60. Alguns críticos, como Abdias Lima (“Correio do Ceará”, 2/2/1977, Fortaleza, CE), aproximaram Hernâni Donato de Erskine Caldwell e John Steinbeck, a geração norte-americana da revolta, o Caldwell de "Chão Trágico" e o Steinbeck de "As Vinhas da Ira".
Hernâni Donato nasceu em Botucatu, centro ferroviário no interior de São Paulo, a 12 de outubro de 1922, em uma família de imigrantes italianos. Sua origem humilde (é filho de um operário) e interiorana não o impediu de tornar-se um intelectual com sólidos conhecimentos e um publicitário metropolitano bem-sucedido.
Selva Trágica, que a LetraSelvagem ora reedita, trata da situação dos trabalhadores da erva-mate na região da fronteira Brasil-Paraguai, reduzidos à condição análoga à de escravo, assunto até então não abordado na literatura brasileira, verdadeiro massacre de trabalhadores brasileiros no início do século 20.
Lançado em 1960, Selva Trágica impactou a crítica e os leitores, esgotando cinco edições. Em 1963, foi filmado em preto branco por Roberto Farias, com a estreia de Reginaldo Farias como ator. Ganhou o Prêmio Saci, promovido pelo jornal “O Estado de São Paulo”, e representou o Brasil no Festival de Veneza. O filme é considerado um divisor de águas – um clássico – no cinema brasileiro, após o sucesso internacional alcançado. “Nesse filme, uma das maiores sequências do Cinema Brasileiro, o momento em que o personagem de Reginaldo Farias (o mineiro Pablito), com um peso muito acima de suas forças, apoia-se nos pés do feitor para levantar-se. Junto com Menino de Engenho, os maiores filmes do Cinema Novo” (do livro Dicionário de Filmes Brasileiros, do professor de cinema Máximo Barros).
Para escrever esse impressionante romance-documento, Hernâni Donato empreendeu minuciosa e persistente pesquisa, à maneira de Flaubert ou Zola (sem a obsessão do “naturalismo”, como observou o crítico Wilson Martins em “O Globo”). Consultou documentos e ouviu histórias terríveis de antigos trabalhadores das minas de erva-mate, como a do homem que teve de lutar de garrucha em punho e viu seu filho morrer, porque ousou escrever sobre o que se passava na cultura do mate; ou a história do peão que trazia no corpo sinais de 18 facadas, com cortes que haviam sido costurados com agulha e barbante de costurar saco.
Até 1938, período do primeiro governo de Getúlio Vargas, manteve-se o monopólio da Companhia Mate Laranjeira, argentina, que realizava a extração do mate nos ervais do Mato Grosso. Mas, quando Hernâni Donato embrenhou-se nos ervais, no final da década de 1950, em busca do material com que construiu Selva Trágica, ainda havia – segundo informação colhida em entrevista concedida pelo autor à jornalista Cecília Prada, publicada na Revista Problemas Brasileiros – cerca de 5 mil homens e mulheres trabalhando em condições extremamente precárias, sem descanso, durante 14 horas diárias, das 3 da manhã às 5 da tarde, na colheita e no transporte da erva – entre a “mina” e o acampamento o mate tinha de ser levado, pelo meio da selva, em fardos de 150, 200 quilos, amarrados às costas dos trabalhadores. “Qualquer passo em falso causava a quebra da espinha do carregador. E então... os próprios companheiros, na falta de outro recurso, sorteavam entre si, jogando cartas, quem daria um alívio ao acidentado... um tiro na cabeça!”
Os leitores urbanos, que talvez imaginassem que a erva-mate fosse cultivada em belos jardins, horrorizaram-se com os fatos narrados em Selva Trágica, como, por exemplo, a brutalidade com que era tratado o “uru’”, o homem responsável pelo “barbaquá”, espécie de forno de madeira onde a erva era preparada para o consumo, o qual tinha de trabalhar dia e noite e sem parar, remexendo as folhas sob um calor atroz. Depois de algum tempo desse trabalho infernal, todos os pelos do corpo do uru iam secando, caindo, e o homem ia ficando esturricado e se transformava num feixe de ossos.
A crítica foi unânime em considerar Selva Trágica um alto momento da ficção brasileira; um livro capaz de colocar seu autor entre os maiores escritores do Brasil. “Romance másculo, forte, bárbaro, como bárbara era a selva, como bárbaro era o trabalho nos ervais. É esse de Hernâni Donato” (Temístocles Linhares, no livro História Econômica do Mate, José Olympio Editor, RJ, 1960). “Selva Trágica é uma história como nunca foi escrita em nossa terra” (Arthur Neves, in Revista Anhembi, SP, 1961). “Documento eloquente, de notáveis revelações, de alto poder comunicativo, obra de grande valor estilístico. [...] Em suma: constitui um dos mais altos momentos da novelística de conteúdo social no Brasil” (Fábio Lucas, in O Caráter Social da Literatura Brasileira, Ed. Paz e Terra, RJ, 1970, Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro).
Por seu poder comunicativo e eloquência como documento, Selva Trágica é um dos livros que melhor representam o caráter social da literatura brasileira.
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