"Laus amori" (louvado seja o amor), diz Antonio Houaiss, em Prefácio ao livro "Magma", de Olga Savary (Rio de Janeiro, 27 de julho de 1981)
Olga Savary conquistou, com garbo de fundas e discretas emoções, seu espaço poético em nossa língua. É senhora, também, de outro espaço relevante para a construção do Homem comum – a tradução.
Mas, mesmo que se admita no poeta o fingidor de fingimentos de fictos e fictícios mitos em que ele (e nós) acaba crendo, é difícil ver neste poeta a criadora de uma mitologia do amor.
O que se tem aqui é um hinário do amor – e do amor mais antigo e mais futuro, o amor da fêmea pelo macho, mas fêmea com o uso da palavra – essa criação humana que faz presente, in abstracto, o concreto ausente.
Ao poetar estes poemas, o poeta reviveu e previve com palavras o amor fruído e o amor fruendo, o amor amado e o amor amando – mas o amor que é delírio, que é embate, que é roçagar, que é atrito, que é rijeza, que é unidade (águas e águas e águas, nestes poemas), que anseia e que é repouso não desejado: essa é a luta que se quisera eterna.
Estes poemas eróticos são de beleza e alteza sem-par. E o são em face de quaisquer grandes eróticos de nossa língua – desde os que fazem, deste amor de carne e emoção, matéria que tangencia ou invade o pornográfico e pornofônico, até os que fazem, deste amor de carne e emoção, recanto de lúbricas e concupiscentes insinuações interditas ou inconfessáveis como se inefadas ou inefáveis.
Nestes poemas há algo de antigo e de futuro, como é o amor de carne e emoção: há aqui toda a alegria da revelação dessa voracidade recíproca a dois que cada parelha crê que nunca houve antes como tal e nunca haverá depois como tal: e há mais – sem porco-chauvinismo nem porco-feminismo –, há a descoberta das palavras que salvam esse amor da degradação, mas não o elevam a platonismos insanos. Não: estes são atos de amor, atos de amar, atos de cantar o amor praticado, ato de cantar o amor entranhado, situando-o, neste nosso dia a dia de asperezas e mágoas e sofrimentos e baixezas e mercancias, como o bem que nos justifica e justifica viver.
Há, aqui, assim, sexo, conjunção, esperma, uróboro – a serpente que devora a própria cauda –e o que mulher (ou homem) que ama homem (ou mulher) se empenha em criar e fazer para as alegrias do amor.
As palavras – nas condições de moral classificatória que põe em certa má classe os que usam de certas palavras – foram, coitadinhas, não raro prostituídas, sobretudo para a poesia do amor deste amor. O poeta, este aqui, perspicacíssimo, as evita para fugir ao equívoco infame. Mas compensatoriamente reinventa polissemias maravilhosas, graças às quais – poeta que é –, trabalhando as palavras, lhes dá velhos e novos sentidos, concomitantes, para viver e reviver e anteviver antigos e novos e eternos amares e amores. Sua total objetividade se casa à total verbalidade, para criar simbolicidade que é a prática verbal do amor revigorante do amor, enquanto palavras preparatórias (de novo e sempre) do amor.
Laus amori – louvado seja o amor – é o que nos mostra Olga.
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*Antonio Houaiss, escritor e crítico, da Academia Brasileira de Letras