Prefácio escrito por Jorge Amado para "Altaonda", 3º livro de poesia de Olga Savary (1979)
O Editor Massao Ohno e as Edições Macunaíma, após as belas edições dos importantes livros dos poetas baianos Florisvaldo Matos e Myriam Fraga, e do baiano por adoção e cidadania Odorico Tavares, em 1975, inauguram o ano de 1979 indo buscar no Rio de Janeiro os originais de um poeta paraense, um grande poeta: Olga Savary. Ampliam assim essas editoras sua órbita de ação, saindo de seus territórios para abarcar a poesia brasileira em sua maior geografia. Não assumo aqui a discussão sobre o acerto ou desacerto da medida, apenas quero louvar o acerto da escolha dos originais e do poeta.
Com Altaonda, Olga Savary confirma tudo quanto nos revela em Espelho Provisório e Sumidouro, e indica uma abertura de caminho, uma densidade ainda maior nos temas e na forma: “aqui é meu começo”, diz o poeta — é sua continuidade, seu ir avante no “mapa de esperança”, “rumo da solidão de meu pés”.
As publicações de Espelho Provisório e de Sumidouro foram objeto de prêmios literários, os poemas utilizados em concertos de música erudita e da MPB, e a crítica saudou os volumes e o poeta com verdadeiro entusiasmo. Antonio Carlos Villaça pergunta, e que afirmação nessa pergunta!: – “Será Cecília rediviva?”.
Hélio Pólvora constata: “Não há gratuidade nesta poesia. Olga Savary exercita o poema como um instrumento condicionante, jamais condicionado”, definindo o compromisso do poeta.
Bernardo Élis, num artigo ditado pela emoção, resultante da leitura dos poemas de Espelho Provisório, exclama: “Que estranha sensação de crueldade me envolveu naquela tarde (em que li seus versos). Era essa crueldade mais cruel, essa dor que dói num lugar que a gente não identifica.”
O professor Joaquim-Francisco Coelho, da Stanford University, Califórnia, prevê: “A poesia de Olga Savary poderia vir a ocupar um lugar análogo ao de Clarice Lispector na prosa brasileira, ela também cria uma linguagem capaz de exprimir estados de espírito que geralmente existem para além das palavras.”
Basta de citações: já estou, pobre romancista, bem apoiado em mestres da crítica para a louvação de Altaonda e para buscar um parentesco de qualidade entre os poemas de Savary e os do poeta, o “menino antigo”, a quem o livro é dedicado, mestre Carlos Drummond de Andrade.
A economia no dizer, o corte brusco da emoção, a revelação inesperada da vida na dureza, na crueldade e na fraternidade, no amor. A lição do menino antigo se faz ofício de quem é “nau submersa, árvore áspera”. Em “dinastia de luas, sons noturnos”.
“Os pés sabem tudo, todos os caminhos – ou quase”, conta Olga Savary expondo a despida verdade de suas escamas. A água, a costa, os peixes e as gaivotas mortas, o curumi encontrado e perdido, o afundado salitre, a espuma, as raízes do mar – “a terra é memória antiga” – eis ALTAONDA, homenagem a Drummond, completada pela extrema beleza das gravuras de outro mestre, Calasans Neto, difundida pela Massao Ohno/Edições Macunaíma.
“Não sei muita coisa do mar mas acho
que ele é um cavalo posto a pique...”
Do mar e da poesia, ela sabe de um saber completo. Cavalga o mar, no galope submerso, as crinas de guizos, lentamente lunar. Aqui está inteira em seu livro, em seu búzio, Olga Savary.
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*Jorge Amado é o romancista brasileiro mais conhecido no mundo, autor, entre outros, de Gabriela, Cravo e Canela