"Transitando com a mesma acuidade pelos territórios da poesia, da ficção, da crítica e do ensaio, Leonardo Garet é um escritor multifacético e polifônico. Sua densa produção literária, sem dúvida, o nivela entre os melhores nomes da literatura uruguaia." (Continue lendo, a seguir, o texto das orelhas do livro, escrito por Ronaldo Cagiano)
Os 25 contos de O livro dos suicidas consolidam sua trajetória e reafirmam a peculiaridade de sua dicção, de cuja atmosfera narrativa emerge variada temática, espelhando os dramas e inquietações existenciais de seus personagens, numa linguagem que percorre a geografia do absurdo e do inusitado para deflagrar um olhar hermenêutico sobre a realidade psicológica, humana, política e social da América Latina, tão contundente em sua dimensão trágica e histórica.
As histórias que enfeixam essa obra singular, povoada de mitologias e mistérios, sugerem-nos leitura suprarreal dos conflitos, perplexidades e dilemas perenes do homem nessa época tão afetada por dissonâncias e ambiguidades, quando se percebe na ebulição interior de seus protagonistas uma relação de inconformismo e desajuste com o tempo e a própria condição individual ou coletiva.
O ambiente surreal aqui transcriado, além de revelar o parentesco de Garet com os grandes representantes do realismo fantástico, é também um recurso formal de que se utiliza o autor para denunciar que, muitas vezes, o inconsciente e o mundo exterior são mais pungentes e intangíveis que a própria ficção. No entanto, a despeito de se esboçar um retrato caleidoscópico desse universo íntimo povoado de sombras e sustos, com suas sutilezas estilísticas e expansões oníricas, alude à humanidade e à poesia que há em tudo que cerca o homem contemporâneo, perdido no cipoal de suas contradições e no labirinto de seus desencontros.
O conto que dá título ao livro é exemplo paradigmático da versatilidade do autor em mergulhar na subjetividade e no insondável da alma e da natureza humanas, esboçando toda sua carga metafórica e possibilidades semânticas. Além disso, o autor estabelece um diálogo com outros tempos históricos e geográficos, na medida em que incorpora elementos da própria cultura medieval, conferindo à sua prosa um viés amplo, que vai do gótico ao barroco, em que o elemento fantástico e os influxos da magia emprestam notável plasticidade. Em sua oficina criativa sobressai o extremo rigor com a palavra e o cuidado com a contenção formal e a alegoria, pois o autor se exercita com tamanha habilidade numa vertente que explora o maravilhoso, o inexplicável, o sobrenatural, o sensorial e o estranho sem cair no pecado da inverossimilhança.
Leonardo Garet integra, assim, a galeria dos mestres do gênero em nosso continente, entre os quais Horacio Quiroga, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Juan Rulfo, Guimarães Rosa, José J. Veiga, Murilo Rubião, José Cândido de Carvalho e Rosario Fusco. Como um Terêncio, para quem “humano non alienum puto est”, faz uma leitura atenta do desconforto das experiências humanas e, ao mergulhar, com seu escafandro estético no absconso pântano do indizível, percebe, em clave freudiana, que “tudo que é estranho é porque já conhecemos”, refletindo, exegeticamente, sobre os fantasmas indecifráveis e ancestrais que atormentam o espírito.