De como a truculência durante a ditadura militar se espraiou da política para outras atividades sociais, entre estas a do futebol
O maior escândalo do futebol brasileiro de todos os tempos completou vinte anos no último dia 21 de agosto.
Atlético e Flamengo decidiriam em partida extra qual equipe continuaria na disputa da Libertadores.
Em 1981 ainda vivíamos sob o regime militar.
Reinaldo era o melhor jogador do país e um dos raríssimos com QI e coragem para abrir a boca em defesa da democracia.
Naquele tempo, um personagem de uma novela da Globo chamou o Cerezzo de peladeiro, o Elias Kalil, então presidente do CAM, chamou a Massa para boicotar aquela emissora, foi atendido e a mesma se retratou em uma semana.
Portanto, o Atlético, a torcida atleticana e o Rei representavam uma ameaça à estabilidade do regime. Foi nesse contexto histórico que aconteceria a partida no Serra Dourada.
O Galo não entrou em campo contra o Flamengo. Entrou em campo contra o time da ditadura militar e seu aparato ideológico, a Rede Globo.
E a arbitragem? Estava reservada a ela o papel semelhante ao da tortura dos presos políticos. Assim, como era impossível exterminar politicamente a oposição à ditadura, recorria-se à tortura. Como era impossível ao time de futebol do regime militar derrotar o Atlético Mineiro, recorreu-se à arbitragem.
Tal qual os torturadores, o árbitro não agiu por conta própria, por mero sadismo. Eles eram peças da complexa engrenagem da ditadura militar.
Assim como a tortura não era uma atividade de rotina dos militares e eles tinham de escolher os torturadores entre os elementos mais sórdidos da Corporação, tiveram que encontrar também, para apitar aquela partida, um árbitro inescrupuloso e sem valor moral. E é por isso que hoje ele está com emprego na Globo. Pelo serviço prestado.
O mesmo aconteceu com os torturadores. Fizeram o serviço sujo para se promoverem, ficaram impunes e hoje ocupam importantes cargos em Embaixadas do Brasil pelo mundo afora.
É por essas e outras que eu tenho orgulho desta camisa listrada, tenho orgulho de ser atleticano.
Belo Horizonte, 22 de agosto de 2001
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Lincoln Pinheiro Costa é Juiz Federal em Belo Horizonte e ex-Procurador da Fazenda Nacional em Salvador. É graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. É membro do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. http://twitter.com/lincolnpinheiro