Os ciprestes imaginários de Nelson Hoffmann (foto) e Menalton Braff

No ano passado, lá por julho-agosto, um dia apareceu-me, aqui em casa, o João Griebeler, querendo discutir e planejar futuras melhorias no jornal “Igaçaba”. Dentre as ideias que trazia, uma dizia-me respeito:
– Que tal, colocar um título genérico e fixo para seu texto da página 7?
Fitei-o:
– É fácil – eu disse. – Já tenho.
– Tem, o quê?
– O título.
– …?
Pisquei um olho, sorri:
– À Sombra do Cipreste.
Ele desviou os olhos para a janela, considerou um pouco, anuiu:
– É. Tem fundamento.
Pela janela, observara o cipreste que estava ali, ao canto da casa. E ele sabia da minha paixão por ciprestes.
Não sei donde me vem esta. Desconfio que de velhas leituras do velho Herculano. Tem ele, parece-me, poemas que versam ciprestes em cemitérios. Esguios, silenciosos, solitários. Merencórios, no dizer do poeta, talvez.
Quando construí esta minha casa, há mais de trinta anos, já tinha o cipreste em mente. Tão logo inaugurada, o cipreste surgiu e vingou. Hoje aí está, símbolo. Tanto que, ao prefaciar o livro de Pedro Marques dos Santos, Município de Roque Gonzales – Terra e Sangue das Missões, registrei: Um dia contei-lhe, Pedro, a gente tem que ser como um cipreste, “aquele cipreste lá de casa”, que não deita galhos. Só cresce buscando o infinito.
Vivo à sombra do cipreste, tenho o gosto da solidão. E a angústia do transitório. Nada mais natural que o título. Só que…
– A coisa complicou, Nelson – surgiu-me o João, dias depois. – Olha aqui.
E mostrou-me uma revista. Nela, um artigo e uma bela capa de livro, com detalhe do quadro de van Gogh, “Os Ciprestes”. O título do livro: À Sombra do Cipreste.
– Diacho! – pensei. – E agora?
O autor, Menalton Braff, eu não conhecia. Consegui o endereço e contatei. Dias depois, recebi o livro. Contos. Apresentação de Moacyr Scliar que, entre outras coisas sobre o autor, dizia coisas assim: Não tenham dúvida os leitores: estamos diante de um notável contista. Provam-no as histórias deste À Sombra do Cipreste. O que temos aqui é o conto em sua melhor expressão.
O conto-título é o primeiro conto do livro, de um total de dezoito. O cipreste perpassa o conto, em símbolo de infinitude e solidão: Quando me dei conta, por fim, de minha existência sobre a Terra, (…), já encontrei o cipreste erguido para as nuvens, tão fechado em seu cone escuro, tão abotoado e só, que não tive escolha e me tornei sua amiga. A história é um solilóquio de uma velha “vovó” anônima, que vem de gerações; uma vovó que vive gerações e que prognostica outras: Quando essas crianças tiverem cansado das brincadeiras de crianças, assumirão seus lugares… A todas acompanha o cipreste e sua sombra esguia.
Não sei quem pode ter plantado esse cipreste, confessa a velha vovó. Mas ela sabe que no ano passado, estes senhores (…), meus netos, ameaçaram derrubar o cipreste. E desconfia que, quando essas crianças tiverem cansado das brincadeiras de crianças, (…), com certeza, a sombra do cipreste terá deixado de entrar pela janela.
Para muitos povos, o cipreste é uma árvore sagrada. O seu verdor persistente e sua longevidade simbolizam a imortalidade. Na Antiguidade, porém, segundo Herder Lexikon, era considerado um símbolo da morte, pois que não cresce mais após ter sido cortado.
De qualquer forma, o cipreste é árvore que chama a atenção por seu porte esguio, severo e solitário, sempre verde e sempre em busca de mais alturas. Simbolizando a mortalidade humana ou a busca da eternidade, é sempre uma metáfora do ser.
Eu sou… À Sombra do Cipreste. O livro de Menalton Braff tirou-me um título, mas deu-me um Amigo. Hoje, o Menalton e eu correspondemo-nos, trocamos ideias e livros. De minha parte, tornei-me seu leitor entusiasmado.
Como diz o Scliar, ele é mesmo um notável contista. Provam-no as histórias deste À Sombra do Cipreste.
Roque Gonzales, janeiro/2000.
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*NELSON HOFFMAN é professor, escritor e crítico literário do Rio Grande do Sul traduzido para várias línguas; autor, entre outros, de Eu vivo só ternuras (novela) e A bofetada (romance)