Seguindo a tradição mineira, que nos lega grandes cronistas, um ilustre mineiro da pequena Buritizal nos revela preciosas coincidências de vidas que se cruzam na também pequena Sacramento, celeiro de talentos em vários campos da atividade humana. (Leia a crônica de Lincoln Pinheiro Costa)
Meu amigo Nicodemos Sena, fundador da editora Letra Selvagem, sempre me presenteia com livros que publica.
Recebi e li com muita satisfação a biografia romantizada de Dostoiéviski, “Meu Dostoiéviski, os minutos finais”, escrita por Edson Amâncio.
Amâncio nasceu em Sacramento-MG, encantou-se com Dostoiéviski, cuja obra conheceu na biblioteca pública de sua cidade quando era adolescente. Atravessou o Rio Grande, foi para a capital paulista e fez pós-graduação em Medicina na Universidade Federal de São Paulo.
Daquela cidade mineira saiu outra escritora: Carolina Maria de Jesus. Ela também foi para a cidade de São Paulo, não para estudar, mas para ser empregada doméstica e catadora de materiais recicláveis.
Saí lá de perto, de Buritizal, do outro lado do rio, conheci Nicodemos na Faculdade de Direito da USP, onde entrei sem saber quem era a escritora Carolina de Jesus, pois ela não era estudada no ensino médio e não era cobrada no vestibular, embora seu best seller, “Quarto de Despejo, Diário de uma favelada”, já fosse traduzido para treze idiomas . Mas, antes tarde do que nunca, a escritora mineira, que só estudou até o segundo ano primário em Sacramento, foi homenageada postumamente na Faculdade de Direito pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade cuja direção já tive a honra de integrar.
Em Buritizal conheci desde pequeno o José Olivério, nascido em Sacramento, jornalista fundador da “Folha de Buritizal”, periódico no qual publiquei algumas crônicas ainda antes de sair da adolescência.
Por Sacramento passou também no início da carreira de magistrado o saudoso Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira. Quem me contou foi a Célia, viúva do Ambleto, primo do meu pai e tia do prefeito Baguá.
Aquela microrregião viu nascer outras personalidades: Pedregulho, o governador Orestes Quércia; Rifaina, o saudoso locutor esportivo Vilibaldo Alves, ícone da atleticanidade. Em Ituverava, nasceu o compositor Vitor Martins; o cantor Jair Rodrigues nasceu em Igarapava. Cidades de monocultura e agrotóxico, não sei se a MPB floresce lá. Creio que não.
Sem educação e sem cultura não há futuro, só monocultura, agro, desmatamento e fundamentalismo religioso. Agrotóxico pulverizado por drones e extinção do Cerrado à beira do Rio Grande para implantação de condomínio de luxo são fantasiosas ilusões de progresso.
Edson Amâncio viajou para a Rússia e outros países europeus. Foi visitar os lugares em que viveu Dostoiéviski, procurar sinais de sua passagem.
Não fui a Sacramento procurar memórias de Carolina de Jesus. Acessei imagens de satélite, percorri a Rua Carolina Maria de Jesus, no oeste da cidade, visitei a Escola Estadual Escritora Carolina Maria de Jesus, a leste. Consulto o site da prefeitura municipal e constato que a biblioteca pública municipal José Valadares da Fonseca, construída na década de 1970, não é a mesma onde Amâncio descobriu Dostoiéviski.
No dia 21 de julho de 1955, Carolina escreveu em seu diário: “O livro é a melhor invenção do homem”.
Leio em outro presente recebido de Nicodemos, Poesias Completas de Castro Alves:
“Oh, Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o Povo pensar”
E aquele que lê, que aprende a pensar, poderá dizer outro verso do poeta dos escravos:
“Sou pequeno, mas só fito os Andes”.
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Lincoln Pinheiro Costa, Ilhéus, BA, 11 de agosto de 2024. 121 anos da fundação do Centro Acadêmico XI de Agosto e 197 anos da fundação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
