Mais de dez anos após as suas respectivas primeiras edições, os dois primeiros romances do paraense Nicodemos Sena continuam prendendo as atenções de importantes críticos brasileiros. Confira, a seguir, a opinião do carioca Fernando Py sobre "A Espera do Nunca Mais" e "A Noite é dos Pássaros", publicada na "Tribuna de Petrópolis" (31-dez-2015/01 e 02-jan-2016, caderno Lazer, pág.5, RJ)
A Espera do Nunca Mais: Uma Saga Amazônica, romance (Belém, Ed. Cejup, 2 edição, 2002, 880 p.). Desde os primeiros parágrafos, a história tomou conta de mim e só não devorei o livro em poucos dias devido a outros afazeres. Quanto mais me adentrava na leitura, mais me sentia preso àquele universo que se impunha vigorosamente, com sua paisagem descrita com força, seus personagens muito bem delineados, fossem de boa ou má índole, fossem brancos, índios ou mestiços.
A partir de certo ponto, percebi que estava lidando não com um simples romance, mas com uma verdadeira saga – como está no subtítulo –, uma espécie de epopeia, em prosa, um texto notável que sem favor poderia ser comparado a outras obras de igual naipe ou valor: O Continente, de Érico Veríssimo, e, principalmente, o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
O autor consegue ressuscitar, digo, recriar uma Amazônia não só perfeitamente íntegra e literariamente válida, porém uma Amazônia viva e pulsante, uma região que, aqui no Sul, a gente conhece por ouvir dizer e, por isso mesmo, de fato não conhece, tem somente uma ideia frágil, muitas vezes incompleta e errônea a respeito... E o autor ainda nos auxilia a leitura, ao final do livro, com um Glossário essencial para a boa compreensão dos termos usados.
Tenho para mim que A Espera do Nunca Mais é um romance fundamental não só para o conhecimento da Amazônia mas para a literatura brasileira deste século e dos séculos vindouros.
A Noite é dos Pássaros” (Belém: Ed. Cejup, 2003), seu segundo romance, possui diverso recorte. Apesar dos inúmeros termos tupis, pude avaliar melhor o crescente desejo físico e o amor que vai envolvendo o narrador e a índia Potira, pontuado pela nudez de ambos. A história se equilibra, incrível e magicamente, com trechos substanciais de um surrealismo bem harmonizado com o todo real. Escrevo “real” e não “realista”, conquanto o romance seja realista – mas é que se trata de um realismo bem temperado pelos sonhos e alterações sentidas pelo narrador. Ademais, o autor transcreve em prosa versos do I-Juca Pirama de Gonçalves Dias, bem encaixados na fala ou nos pensamentos do narrador. E sua minuciosa pesquisa para conhecer e transliterar palavras do tupi pode parecer excesso de virtuosismo; mas de fato são razões que acentuam o realismo da obra.
Assim, são absolutamente válidos os dois motivos que o autor arrola no posfácio para a presença do idioma tupi: a) o apelo irresistível da própria narrativa; b) a grande importância desse idioma para a cultura brasileira. Portanto, o romance possui imenso valor – documental e literário. Vale.
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*Fernando Py é poeta, crítico literário e tradutor brasileiro. Traduziu a íntegra da monumental obra proustiana Em Busca do Tempo Perdido (Ed. Ediouro, 2002, RJ)