Editora LetraSelvagem

Editora e Livraria Letra Selvagem

Literaura Brasileira

Os melhores escritores do Brasil

Ricardo Guilherme Dicke

Romance, Poesia, Ficção

Deus de Caim

Olga Savary

Nicodemos Sena

Edivaldo de Jesus Teixeira

Marcelo Ariel

Tratado dos Anjos Afogados

LetraSelvagem Letra Selvagem

Santana Pereira

Sant´Ana Pereira

Romance

Nicodemos Sena

Invenção de Onira

A Mulher, o Homem e o Cão

A Noite é dos Pássaros

Anima Animalista - Voz de Bichos Brasileiros

A Espera do Nunca mIas (uma saga amazônica)

O Homem Deserto Sob o Sol

Romancista

Literatura Amazonense

Literatura de Qualidade

Associação Cultural Letra Selvagem

youtube
Destaque Cadastre-se e receba por e-mail (Newsletter) as novidades, lançamentos e eventos da LetraSelvagem.

Críticas

Fonte maior
Fonte menor
A Infância em sépia nas cartilagens do livro “Poeira e Escuridão” de João Batista de Andrade
Página publicada em: 06/08/2015
Silas Corrêa Leite
"No fulgor de um lembradiço doce, retraz algo perdido desde os cafundós desde as terras do bem-virá. Mesmo entre o tácito e o indizível, como se filmes velados que ainda assim falam, evocam". Assim se mostra o novo livro, de contos, de João Batista de Andrade, na pena sensível do cronista Silas Corrêa Leite. Confira.
“E são tantas as histórias para contar (...), um excesso de vidas, acontecimentos, milagres, lugares e boatos entrelaçados, uma mistura tão densa do improvável e do mundano…" (Salman Rushdie, in Os filhos da Meia Noite)
 
***
 
Tá tudo ali, menino, tá tudo ali, nos olhos recalcados de remelas de uma criança espeloteada com pijamas (de estrelas de barro) crescendo no brincar de já-hoje. O tempo, um espavorido cavalo manco em traquejos. A vida um novo faz-de-conta que talvez mude o já havido. O olhar de um álbum doloroso narrado em crispas; como fotografias em sépia levando e trazendo enfoques, prismas, focos narrativos, encardimentos, dissabores, mais a poeira do lume neutro; a química salobre do que é revelado a seco. E um jeito de solar a escuridão, feito um laboratório de vertentes dentro da caixa do retratista lambe-lambe, saudosista de cenas rupestres, como se fossem meros espectros que contam, falam, dizem. Reassentando no adobe criativo do livro de contos as imagens, fantasmas freudianos, signos, desjeitos, feito um cordel-cardume de dizeres e rupturas...
 
Ai dos negativos, nas revelações! Ah as poses e possessões desgarrando e desregrando amarguras. Polentas desandadas no fogo da revelação. E o coturno da fome, da dor. Um sortido de infância sem misturas, vida trans/formada. E o contador engalopando acontecenças, descendo a lenha nas letras que serpenteiam desde sua ferida alma-avelã, e a dor, o carrossel de signos depurados, fantasias encorpadas, a coragem-calço, e, aqui e ali, um coice no contrapé do dito contra-tudo-o-vivido... Os literatos assentam recaminhos que se per/correm?
 
A contação pareando os pagodes da vidinha mequetrefe, os despertamentos singulares, peculiares da infância rediviva em sépia. Singrar o caos? Não, não há final feliz, se como tudo e todos no tal do “final feliz” a gente morre. A loucura de criar é a imaginação pondo os bofes pra fora, sossega coração. O que poderia ter sido alegria, foi assim mesmo “alegretriste” de uma viração, terreno de passagem, ritos de passagem, piaçavas, urtigas e bem-querenças, e ainda assim,  descobertas. Então porque pintar as fotos das paredes da memória de preto e branco, de preto e pranto, com cores rasuradas, aberrações desaturadas? Berrar é humano. Poeira e escuridão serpenteiam-se entre “sis”,  no profundo achamento de rebenques, de rebentos, de reboques a pontuar (parodiando) “... Os anos de minha vida/Da minha infância perdida/Que os anos trazem mais e mais e mais...  - em azuis, e sóis...  e sépias. E ais!”
 
Escrever sobre o passado é re/vivê-lo, e querer mudar o sacrificado, as maduranças, é querer tornar a simplicidade implicante de ramas de felicidade que seja. Não, bordados bonitos não perdoam a dor dos cortes das agulhas. Está no feitio do tecido da havência. Somos todos seres de memórias, com nossos inventários de renúncias, perdições e alumbramentos, e também assim e ainda por isso mesmo, de uma forma ou  de outra, vamos também modelando o barro que a terra bruta nos dá (na a infância e na primeira juventude), conforme o susto, o assento, a probabilidade do possível que remodela a curva do contar, e que quer que nos mantenha vivos e prontos para o embate seguinte. Trans-criações. A fome. A arma. A desavença de percurso. O brinquedo de ocasião. Enlaces e desenlaces. E superar tudo isso. Quadro a quadro. Cena a cena. E que assim possamos pagar a nossa cota (conta), pois, quando se apagam as luzes a cortina fulgurada estampa a fita das caminhaduras... ditando de dentro do cinema mental... Escrever é a antítese da superação, dando mole pros esparramos de consciência, desacertos, afogadilhos? E corta a cena. O quadro. O parágrafo. A ciranda da vida. A prosa dos caminhos. A revelação já se supera; o que passou, passou, mas, na medida do rangido, respinga no desdizer, como uma causa, uma busca, feito resto de brio adultizado nas costuranças do verbo empalidecido por um chumaço de viços pertinentes. Ah moleque!
 
A dura vida na criação literária, dá nisso: só escrevendo altos e baixos relevos, damos também um passa-moleque nela, que nos arpejou, contundiu. Criou árvores e rios em nossas almas. Soberano e magistral nas contundências, João Batista de Andrade conta esparramado. Mas, é como se ele se insurgisse a inserir nos conteúdos, fios narrativas de curtas metragens; preparando roteiros para o alto desfrute da soma toda. Solilóquios implícitos? Espandonga o medo de atuar em si figurado. Paga seu apreço. E não volta troco. O trotear do motor da vida não cola pedaços de fitas nas rupturas. No fulgor de um lembradiço doce, retraz algo perdido desde os cafundós desde as terras do bem-virá. Mesmo entre o tácito e o indizível, como se filmes velados que ainda assim falam, evocam. Houve um tempo de escapadas, de saídas bruscas, de estágios sem rumos, ecos  sem saída, e escreve o autor, como se a tirar filés de subterrâneos, de placas das memórias. A alma de tule dando coroações a estações sistemáticas e evolutivas no quadro desta vida besta.  A solidão é a melhor amiga da honra. Mas a recordação dela atiça o verme, o ver-se. E ao sustentá-la em sépia, o autor se encorpa. E cresce, e dita o ritmo, o falatório, o (se) escutatório. Porque a vida, camarada, a vida pode ser com o sangue de um band-aid já usado no passado, e ainda assim ter parte de húmus, limo, lodo. Ou ser parte da sopa de pedra. Ou como uma ervilha mágica dando cor, tom, sustância, sabor, entre os pecados e tantas lonjuras de nós dentro de nós. O “cale-se” trans/borda?
 
Bingo: a escurez tem sua chiqueza nesse livro de contos, Poeira e Escuridão. As empresas do pranto em prosa demonstram o olho de lince do escritor de estilo todo próprio, cineasta consagrado, intelectual premiado, roteirista de calibre e culatra. O ódio é o ópio do ócio? Então, vamos de novo escrevivê-lo. E dar arame, cola, corda. E capa. Dando nome aos bois, aos meninos. À infância que ficou lastrada em páginas. Sim, às vezes o catchupe é feitio de sangue de enfeite, para tentar colorir as securas. Para fazer a moldura de uma dor ter jugo, juízo, cor de junco. E botar fogo na canjica de uma realidade reinventada numa prosa de primeira grandeza, o homem-menino dizendo seus veios...
 
Algumas doces memórias, alguma saudosa lembrança, tudo somam. E são de um tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. “Limonódoas?” Os contos movediços que as vezes choram purgações, remendos, sabugos, cortiças expiatórias, espiriteiras de criares, e ornam-se de enfeites de prosa algo realista sem perder a demão de apuro, de técnica e de olhar ensoberbado dizendo simplices como favas atadas, mas ainda assim belas favas-contos. Ficções? A grande viagem mesmo é recordar, contar. Botar tudo em cuspidos pratos de quem comeu e não gostou, ou se fartou nas escrevivências, feito um spot-light na passagem dos que procuram sair da cena de si para procurar sarna para trocar de personagem, sem perder a ternura e o alvaiade, o final fetiche. Afinal, o talento é filho do tempo, não da fama. E depois, disse Bernardo Soares (Fernando Pessoa) “Toda vitória é uma grosseria”.
 
Escrever é tirar cascas de feridas. Ou se reparar em cracas de andanças feito um desfrute furta-cor de acontecências reveladoras; issos e aquilos? Poeira e Escuridão... Os espantalhos do milharal de nossa íntima Pasárgada acabam descobrindo que a poeira da escuridão é que faz o tronco da arte brilhante nesse louco mundo-palco. Abre-se o livro e começa o espetáculo. Todo menino atiçado, inventariante de cenários, ou plantador de incêndios, é também meio diretor de cinema escrevendo seus roteiros? Ou todo menino é um rei na sua própria terra do nunca, território de criares? Ah a poeira cósmica das memórias nos capítulos das escuridões em sépia.
 
Câmera, Contação!
 
_______________
*Silas Corrêa Leite é autor de GOTO, a Lenda do Reino do Barqueiro Noturno do Rio Itararé, Editora Clube de Autores

Faça seu comentário, dê sua opnião!

Imprimir
Voltar
Página Inicial
© 2008 - 2021 - Editora e Livraria Letra Selvagem - Todos os Direitos Reservados.