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Críticas

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Salmando escombros humanus
Página publicada em: 29/06/2015
Silas Corrêa Leite
Carlos Nejar, "um circulador de alucilâminas salmando escombros humanus em estrofes de prosa poética da cor púrpura", na resenha luminescente de Silas Corrêa Leite. Confira.
“Vejo o subsolo como algo nutritivo... ”
Cacá Carvalho, in, o Homem do Subsolo, teatralizando Dostoievski
 
Romance, sugere a obra. Romance? Brilhante – e por isso mesmo inominável. Carlos Nejar dispensa apresentação. Certamente que um dos maiores e melhores escritores brasileiros de todos os tempos. Mais, ainda vivo e ético, brilhante, e aqui também no viço de uma criação surpreendente, um dos maiores literatos de nossa historicidade lítero-cultural, por ele assomada de grandeza.
 
Assim, tomando pela mão seu novo livro, O Feroz Círculo do Homem, fica a expectativa pelo que se nos virá, a surpresa, o impacto, o instante-chama do leque se abrindo. E, depois do primeiro passo, do primeiro pasmo, da primeira leitura arrebatadora, pelos primeiros parágrafos-estrofes, fica o atordoamento, o encantamento, o júbilo de quem pela (e na) leitura se regozija como se lesse as páginas de um livro sagrado de um, sim, ser feito à imagem e semelhança do Criador, mesmo que no diligente narrador ora se desencantando e se recavando no sortido das palavras, imagens, confeitos, e porque não dizer nos atrevimentos esplendentes da criação do autor no auge, como se passando o limbo a limpo, e ora também (por isso mesmo até) se curvando às perdições, bendições e arrependimentos da patuleia pindorama no varejo.
 
A história. A escória. A poesia, o escárnio. As arrebentações, feridas e cicatrizes. Luz sobre remendos e arre-medos. E o ovo de ser “gente humana” pondo estados cênicos para fora. Entreluzes de escombros? Perdas/pedras. Cercas/círculos. Na descrição, o limo-lume, vertências. Como se uma caixa de bonecas russas. Uma desnascesse do todo para particular-se em uma que é outra, que gera (verte/veste/vértice) ainda outras. Bem isso. Bem assim. Cenas rompantes. Capítulos como versículos. O poeta/profeta kafkiano, trombeteando lugares, sinais, parecenças e lonjuras com os fios arrepiados dos humanus... na teia purgatória do todo... “As ruinas me trabalham”. Eis o verbo sentencionado. E no princípio era o caos, que depois se dissemina, que depois vira uma espécie, a bendita (maldita?) civilização, essa raça que somos (somos?), e assim desencadeia-se o fado que deu no miseris nobilis de nosotros tantos... A saudade de Deus. A solidão de Deus, que é quando esse livraço se jiboiou no humanus... Venenos. Drenos. Lampejos em farpas, estados de gloritudes em fardos, cada capítulo o ser de alguma maneira por assim dizer capitulado, o homem em sua laia e jaez contado em salmos de uma voraz prosa poética dentro do território ora do nada, ora do absurdo, ora do acomodamento, do subsolo, que é o horrendo do homem em si mesmo, plâncton de se ser Ser...
 
Li cada parágrafo como um salmo delineado em acesas achas poéticas, em achados luminosos, fora de série, e o autor feito manteiga derretida na alma, à luz dos escombros, pondo-se para fora numa escrita rica, pura, embonitada pela fluidez das imagens, sítios desfocados, nós e pingos de águas furtadas. Ah, a cabala mal-caiada da vida efêmera em que nos arrebentamos... Mini-salmos empoleirados na dor do olhar, puras alucilâminas (de lucidez exercitada no oficio de escriba) cortando desvãos, amarras-amoras, como se ancorando ideias, lampejos; estados de devaneio harmonioso com a epifania criacional do autor em estado de encordoamento, assim soando as barbáries sociais e intertextuais com apuro.
 
Um de nossos maiores poetas, talvez o melhor de natureza vivo, também aqui romanceando-se em estrofes salmadas. Os feitios narrativos de ‘poeversos’ com arremates de extrema lucidez e sapiência, em maravilhadas contações curtas, feito contículos sequenciais como drops não edulcorados, mas com nervuras e sangrias desatadas, pondo o leitor a per-seguir as pegadas das palavras que por si se evocam, para não perder o fio do magma literário picoteado em ascensão alumbrante. Cavar o vão, cevar o voo, ferir a vau. Ceifar o ato minúsculo de uma acontecência, e desnudá-lo da culatra das palavras com seiva límpida. Como se o autor fincasse o cajado de sua pureza limpa de criar, extremado, e fizesse verter o que conta/canta/contém. Feito – nesses tenebrosos tempos pós-modernos de achaques e achismos marotos – um homem-drone pairando acima e sobre todas as causas e coisas, assentasse o que vê/lê, pensa-sente. Ai de nós. E vendo (vendo-se?) escreve o que escavou de ver na releitura do mais íntimo de si, nas arredondezas e entornos como se tocado, e arando.
 
E escrevendo tem o mito, o mato, o espacial e o humano, o real e o despertamento espiritual de tantas vidas conflitadas em confeitos de ocasião e dentro de uma atroz sobrevivência possível. A sociedade-esterco. A vida nódoa. “Pontal do Orvalho” (Lágrima do céu...); o que foi “Poço dos Milagres" (da vida?), rio, florestas, limites, “alma não precisa raciocinar” (Tibúrcio Dalmar...), e as palavras des-paridas; o que não saiu da infância (pureza), visitas, amores, e o círculo vicioso da vidinha/rotina/cotidiana (in-purezas do simples).
 
Palavras árvores. Palavras estrelas. A terra ferida/fendida produzindo seus tantos solilóquios/rebentos/  arrebentações/arrebatações. E o disco da terra-dias. O sótão de Tibúrcio narrando os subterrâneos da vidinha salmada pela simpleza contundente. Delírios, filosofias, aves, e a reinvenção da roda (círculo) da vida dessa “gentehumana” passada a margem de si mesma. Delírios-lírios (líricos).
 
Lendo cada capítulo como se uma alucilâmina de descrição, embeveci-me. Ia e parava. Sentia e sondava. O que será que vem no mesmo quilate pelaí? Como nominar o encantamento da leitura? Ah, deve ser a técnica lavadora de uma urdida pequena cimitarra de picar formas e enlevos, bisturizando-se de arrancar delírios e vantagens, de tirar limo do lodo no lume, e assim o autor vai destrinchando a vida, as amuradas, as relações e decantadas ironias, feito um triturador de escombros, alimentando historietas, compondo o quadro historial do cênico todo. Escombros humanus. Em estrofes da cor púrpura. Senti firmeza nas delicadezas. A alma humana aqui e ali passada a limpo no limbo. Os capítulos revirando entulhos. Revolvendo avessos. Tripas sociais da 'vidamorte', das relações assentadas em escárnios, sonhos, poses e posses. Tudo isso muito Nejariano...
 
Com sua lupa espacial, o grande poeta ainda se reinventa de ser romancista de uma obra espetacular como essa. E traz ecos. E vai aos becos e remendos. Réstias. Restos. Rudezas e erranças. Os textos encorpados de uma lucidez que ilumina a oração, retrata a vida como ela é, dura na queda, casca grossa, mas que se afina ainda e apesar de tudo, e rompe amarras do romance propriamente dito, jamesjoyciano rupturas com registros de situações pústulas ou de alumbramento no contar. Evolui a cada enfoque, e, por fim, cativa, seduz, embriaga com sua febre de pincelar com requinte, e logo coloca-nos no feroz circulo do homem gritando a vida que explode em si, arrebenta a céu aberto, e talvez nem mais saiba direito o que fazer com ela...
 
Ficamos a pensar, se, para escrever um clássico desse, o autor parou de existir de algum modo. E se de alguma maneira habitou uma outra dimensão que fosse círculo de fogo, circo de água, núcleo de sangue, e ali se deu do mais dentro de si, na contemplação do mundo cão e da vida chã, e quando desceu dessa espécie de sinai numinoso nas escrituranças, não teria trazido o que catou de rastilhos polvorosos dos mandamentos existenciais todos que não couberam na pedra, mas estavam escritos nas areias, ventos, derramas, e em gritos, lanças e estranhezas de peregrinações.
 
A poética de Carlos Nejar não é desse mundo. E o que dizer do romance O Feroz Cícrculo do Homem? Inominável. Por isso mesmo, já nasceu um clássico. Um dos melhores trabalhos literários que li em toda a minha vida de aprendiz de vertedouros, chorumes, achadouros e carnegões da espécie humana. Um romance de salmos contemporâneos pondo as tripas e as tulipas pra fora? Bravo!
 
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* *Silas Corrêa Leite é professor, jornalista comunitário e autor, entre outros, de GOTO, o reino do barqueiro noturno do Rio Itararé (romance)

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» Franklin Martins

Franklin de Sousa Martins (Vitória, 10 de agosto de 1948) é um jornalista político brasileiro. Foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Brasil durante o segundo mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva até dezembro de 2010. Seu percurso de vida, verdadeiro périplo do herói de inúmeras batalhas, o credenciou a ser o autor desse estupendo e de certa forma inesperado "Quem foi que inventou o Brasil?", que a Letra Selvagem teve a honra de coeditar com a Kotter Editorial. Saiba mais sobre Franklin Martins...

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