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Críticas

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A Morte como personagem
Página publicada em: 10/11/2014
Silas Corrêa Leite
"O sangue humano lavrando a terra em suas brutezas e raízes. A rudeza dos personagens como espantalhos rústicos. A fuga da seca para a exploração em latifúndios no redemoinho de nadas e ninguéns em serras verdes e suas coivaras". E a rude e engenhosa tessitura de um romance que recoloca diante de nossos olhos a crua "realidade" de um Brasil ainda dividido entre possuídos e possuidores, explorados e exploradores, segundo a trágica visão de Silas Corrêa Leite. A seguir.
“... O ar é sujo
e o tempo é outro”
 
(Henrique do Valle, in “Monstro de Fumaça”)
 
...................
 
 
Nos “desconfins” desses brasis gerais, pra lá das terras do “deusolivre”, os ressentimentos das tristes relações humanas conspurcadas, de conflitos sob o manto da impunidade por atacado, de contrastes sociais no varejo, de perigritantes almas que não cantaram para subir, de desvãos de almas purgadoras, e então Cyro Mattos se apresenta mais uma vez como talentoso literato ficcionista trabalhando com galhardia a dura realidade brasileira dessa terra chã alhures, a morte como referencial e ponto de partida, no que, aliás, o próprio poeta Carlos Drummond de Andrade afirmou a obra do autor como o “sentimento dramático da vida”, em léguas, ferrões e corações selvagens terra a dentro.
 
O sangue humano lavrando a terra em suas brutezas e raízes. A rudeza dos personagens como espantalhos rústicos. A fuga da seca para a exploração em latifúndios no redemoinho de nadas e ninguéns em serras verdes e suas coivaras. Os problemas mudando de espaço geográfico, mas levando consigo as carcovas dos problemas, a cepa da injustiça, o estigma problematizado, a falta de uma justiça que empesteia e sacrifica, o dezelo do estado ausente. O homem chacal do homem...
 
“Cobiça do fruto como ouro que fiava terra e céus. Visões e acenos de uma nova moeda acontencidas por trilhas e atalhos (...) Enormes mãos destinadas ao esforço das horas, mal o sol mostrava o olho na cerração acima da terra" (pg.111). Vidas, secas vidas. Moedas em via-crúcis. Mortes-moedas em vidas húmus. Os ventos gemedores, romance, Editora LetraSelvagem (Taubaté, SP), traz a senhora dona Morte, coberta de limo e carnegões, como figura principal, uma personagem-eixo, entre marionetes na labuta-cão para a insana sobrevivência possível, mas, principalmente elenca o moto-continuo dela e seus galhos e remos, espinhos e tormentas, nas precariedades naturais de crimes impunes, propriedades-roubos, sucesso-dolo, entre tocaias de veredas, de fantasmas de percurso e os justiceiros de si mesmos; nesse lamaçal o mal impregnado de solidão, de cismas, a relação difusa entre o errado e o malfeito, o podre poder de meio, a falsa pose rural, o louro da vitória do improbo, o lucro fusco, vidas valendo tostões entre armas de repetição e assim também por isso mesmo vidas vilipendiadas. Nos veios dos grotões da terra, o grotesco destino envenenados dos miseráveis rendidos. Que justiça há na morte?
 
No filão literário do mais recente regionalismo trágico, retratando a sub/sobrevivência possível de caboclos do mato em periferias entregues à própria sorte e norte, Cyro de Mattos, com propriedade literal, filtra ocasos e acasos da alma humana (e seus desvãos e demônios), almas maltratadas e maltrapilhas, no curtume da terra-mortalha, e também o êxodo da fome para a exploração, a migração-canga, as andações como procissões de lazarentos, os viajosos em busca de uma terra que emana leite e mel, e nesse, digamos, Lá, assim acabam tripudiados reféns mambembes do tal pesadelo-eldorado, com os sonhos desfeitos em pó, na terra em que se plantando tudo dá, de cruzes às margens de trilhas e ribeirinhos, eles mesmos assim plantados a bala a faca e emboscadas em sequelas de traições, furtos, soberbas, covardias, remidos por fim pela morte-cangalha em estranhas terras distantes de seus solos de origem, nesse caldo, a utopia definhada em flautas de desconsolos e expurgos, as lágrimas de desafortunados de almas despossuídas, despertencidas, e suas aberrações em lamurias, resistências vãs, astucias-toleimas, implicações e revoltas armadas entre ventos uivantes...gemedores...
 
O oprimido que se torna opressor e se levanta irado e tem também a sua cota de horror adquirida, abrindo sulcos também com suas historias de bandeiras, destrinches, ventos, rios e banzos, cantilenas e rezas, mentiras e lavações de roupas sujas do próprio clã, crendices e arreios, audácias e anseios. O poder corrompendo. Rompem-se as fronteiras do conhecimento, da fé, e tudo se dilacera. Cyro de Mattos carrega tintas ferozes nos seus personagens como feridas abertas de ressentimentos, até, como se ali mesmo se defendessem do meio ignaro, e neles crescessem os olhos impuros, sobrevivendo também com as rudes mãos sujas de terra-sangue, entre lonjuras, vagens e visgos. Ah o vagido que o autor regurgita pelo grito dos oprimidos e dos desqualificados, essa “gentehumana”!
 
Vulcano Brás, tipo dono da morte, o antes oprimido, que de mal se ser, de  sofrer e de sair-se disso, vira opressor animal também. A dor encilha a dor. A terra vergada a machado para ser erguida com sangue, suor e encruzilhadas, tudo num além-limite de exploração e sacrifícios. E os personagens de ribanceiras fomentando o arredio espaço cênico bruto, as vilas-lugarejos (vidas) e as decorrências tristes dos entornos, animais abatidos, árvores abatidas, confrontantes topetudos abatidos.
 
A terra e a morte irmãs bastardas, no romance de Cyro Mattos. Terra-morte no palco dos que sangram, entre o dono de um armazém de secos e molhados, o sertanejo vingador e seu jeca exercito 'brancaleone',  os jagunços, os matadores de aluguel, inocências ultrajadas, e o autor dizendo de um tempo, um povo, de um lugar, de antes e depois, de idas e vindas narrativas, frestas brumadas, o torpor reinando, e a tragédia riscada a faca, a bala, entre descontentamentos sublimados, impurezas nos cafundós do longe, canteiros e cercas, lavouras e desgraças, com focos de algumas cenas curtas de algumas caras-janelas desse Brasil de brabos chãos, a ferro, fogo, ressentimentos e seus flancos e frestas, elos movediços. O pai, a mãe, os exploradores anteriores, a mixórdia numa religião em entalhes primitivos, mais nativos, grileiros e jagunços, tudo remoído no tabuleiro da terra-palavra (e madrasta) do autor, a morte estigmatizada, tudo assentado entre traições, emboscadas, vergonhas, desprezos, submissões, alvos-almas confinados em choupanas, taperas, casebres, mais o unguento circunstancial da miséria, da fome, da pobreza – e da violência customizada.
 
A natureza hostil, o homem rude hostil, a falta de misericórdia nos embates mostrando as vísceras das parcas relações deturpadas. Cyro de Mattos por assim dizer, abre seu universo ficcional aos barrancos das amostragens e destila o labor-ódio, loucura-busca, morte-chão. Contista, jornalista, poeta, ensaísta, Cyro de Mattos, advogado, militar, nesse leque de conhecenças, sabenças e labutas letrais publicou 50 livros, vários premiados, traduzidos para antologias literárias, inclusive na Rússia, nome de peso na literatura brasileira, tendo participado da Feira do Livro de Frankfurt (Alemanha, 2010), entre outros trabalhos de renome publicados em Portugal, França e Itália. Com um currículo excepcional e brilhante desses, e uma vida-obra desse nível e quilate, torna-se gratificante ao final da leitura encorpada de Os ventos gemedores,  a consciência de que o criador-autor em alto gabarito e estilo todo próprio, coloca pingos nos is desses brasis gerais retratado com maestria em seus cafundós a deus-dará, na terra encharcada de sangue por entre buscas, títulos de terra, mais mazelas, sonhos visionários, sombras, barbáries, cordéis, ódios espetacularizados, vinganças torpes, temores instintais, confrontos, cantagonias entre casasde adobe, terras de ninguém, de espantalhos, canteiros, aparições, celeumas, dobras do tempo e as farpas dele, mais humilhações e esperanças tudo no mesmo corote, entre lamentos doentios, essas contações desatadas com sapiência e talento, enfim, dizendo dos filhos deste solo... dos miseráveis e explorados dos filhos deste solo...
 
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*Silas Correa Leite é professor e escritor, autor, entre outros, de Porta-Lapsos

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