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Críticas

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A prosa cáustica de António Cabrita no romance ´A Maldição de Ondina´
Página publicada em: 21/02/2012
Silas Corrêa Leite
Uma obra "de domínio público desde sempre". Obra que "se fez carne". Segundo avaliação de Silas Corrêa Leite.
"... A minha principal certeza é o chão
em que se machucam os meus joelhos
doloridos/Mas todos os que vierem me
encontrarão agitando a minha lanterna
de todas as cores/Na linha de todas as
batalhas..."
Deslumbramento - Manoel Lopes
 
 
Como quem não quer nada, de forma cáustica, irônica ou circunstancialmente poética, aqui e ali navalha no palavrear-carne humana (relações e escombros), o autor luso-africano António Cabrita no romance A Maldição de Ondina vai levantando lebres/corvos/rinocerontes (acontecências...), apontando trilhas escamosas, como se num desdizer todo próprio e único que abrisse em lascas,  repentes nem tão repentes assim, achacadouros - tiradas como se falas-tirinhas de histórias em quadrinhos permeadas no contexto - e vai levantando os panos, os bichos (as lebres...), de seu narrar atrevido, ousado, parecendo como se descompromissado, aqui e ali, variando, mas a pegar o leitor pelo sem-pulo de parágrafos imbuídos no texto que são jóias preciosas, e, às vezes, por que não,  atiçadas pérolas aos porcos dos contextos, mesmo ainda assim, ele mesmo, como se com  a tal da própria "maldição de Ondina": subindo à tona do charco humano. Para respirar a luz do que cria; cria no oxigênio do dizer e desdizer atrevido, quase claustrofóbico, a contar e assim se fazer também periscópio de seu tempo-lugar, ele mesmo um "Ondina" submarinado de ser um golfinho-escritor no mar de sargaços da vida muito além da imaginação... E a realidade ainda dói, moendas e engenhos de seus prismas...
 
Roteiro de entrelinhas, desapegos de fogo, aforismos homeopáticos a sangue frio, e, afinal, janelas-paredes, colônias-nós-mesmos, luso-africanos, marfins e estrumes, párias e sombras, ombros e desordens íntimas, travessias e fronteiras malditas como legados campos minados de domínios amorais. A África somos todos nós, a espécie humana/desumana? Maldição adâmica numa África ancestral perdida nos tempos da história incabida de sofrências?
 
A Maldição de Ondina destrincha (esparrama) o amor-açougue de almas. "Perfídias?" - "É um conto largo espalhando as suas metástases", teria dito o autor sobre o romance. Quixotescamente os sobreviventes que nunca acabam sãos, contam as contendas de proprio coldre. Vários pontos de fuga inrompem no romancear, novelar, vinagres de almas brutas, perdidinhas, como ovelhas desgarradas no redil das aparências. De novo a tal da maldição de ondina impregnada no escrever/criar/sentir do autor? Moçambique sangra por seus horizontes e seres atiçados. Que bicho-de-prata morde as missangas de quem escreve nesses cantões, carunchando ideias, reativando outras, pondo olhares desesperados em situações irreconhecivelmente humanas? Ah o caos se acostumando ao delirio de fazer parte dele, nem ócio de oficio, nem inutensilio desvairado... O império, o colonialismo, soslaios de ressentimentos, polos-rancores, poros-expressões de sequelas...
 
Alta sensibilidade (fio de navalha) turbina o tresloucamento literário que  vanguardeia de ser vivíssimo de dar dó, de dar susto, de ler e ficar com medo da próxima página de enfabulação e retórica estridente. É o artista que migrou de Portual pra África, e dessa África que agoniza a derrama do pós-império... A miséria e a violência estetizadas... Ainda range a África... Miseris Nobilis rogai por nós!
 
Nada é perfeito e acabado, e tudo está podre, penso, ao ler A Maldição de Ondina de António Cabrita, paradoxalmente parafraseando o poeta-dramaturgo Bertold Brecht. Vidas desterradas que se cruzam. Palavras cruzadas em disparidades de coexistências sofridas, incompletas; fugas íntimas e externas.  E as estórias em linhas paralelas, um crime, os estranhos jos ninhos. Um professor (Cesar) escritor de romances policiais. Moçambicano. Raul, um amigo, policial com faro fino. Beatriz, mulher-vítima de Cesar, nas incompletudes das lidas acadêmicas. Argentina, amante de Cesar, pavio curto. Aurora - a metáfora da obra a clarificar relações? - antiga ama-seca com sua dor (aleijamento), e outros desperdícios de vidas entre seres entrevados vão semeando vacâncias existenciais no romance.
 
A oralidade mapada da obra, datada na narrativa, intercalada de pensagens (pensamentos-mensagens) que mais são ironias e sacadas - as tirinhas de histórias em quadrinhos de jornais - mais as ratazanas de dentro e de fora do poder. Que meia mentira é meia vardede? Os miseráveis de sempre à míngua. Os flashs se intercalando a desditas, sonhos, ilações, memórias desterradas, chagas e cegueiras, emendas e reconstruções de. Tudo é exilio de. A África toda não é um exilio continental? E há a diáspora íntima de cada um. A consciência africana pesada na balança da história é achada em falta. Mágoas ressentidas dão o que criar. A mão que balança o berço da ciivilização é salmoura pura? Fica a imagem-ideia. Ah mares de um período colonial... quanto de teu sal... são lágrimas de remorso de um antigo Portugal?... Todo colonizador ficou rico impunemente. E as colônias ainda (bem que) sangram artes pelo ladrão...
 
Mas as cicatrizes ainda purgam... São tantos os fantasmas. E os fósforos das criações iluminando cada recanto-divisa/fronteira do mundão africano para o mundão sem porteira todo, amoral globalizado. Salvos pela arte historial, desde as escritas das cavernas aos escritores que destravam caverna de olhares estrambólicos, lúcidos, portentosos? Que honra há, em partilhar o inferno - com seus traficantes de sombras - o que afinal soçobra? A ressaca e a paranoias aos quatro ventos, condimentando infernos infinitos e particulares. O jogo de bisonhos biombos da vida? Mundo cão.
 
"Dá medo fechar os olhos num mundo em que as gotas de chuva não são inocentes" (Pág. 237).
 
Rita Hayworth dança um fado no limbo. A lua universal da mama África sangra. Feridas acesas. A escrita de António Cabrita desengarrafou a alma da África na literatura que vingou muito além de flagelos.
 
Por isso o romance A Maldição de Ondina é, por assim dizer, de domínio público desde sempre. E a obra fez-se carne. E a carne ainda ramifica os veios de contações da terra-mãe. E dos filhos deste solo. A fava-rica é para quem surta?
 
Estamos juntos!
 
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Silas Corrêa Leite é escritor e especialista em comunicação; autor, entre outros, de Porta-Lapsos

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