Na leitura do romance "Os ventos gemedores", de Cyro de Mattos, a menção ao indígena é um diferencial, segundo o cronista Lincoln Pinheiro Costa (Comentário originalmente publicado no portal Fala Bahia: falabahia@redebahia.com.br ).
Li, com grande satisfação, o romance Os Ventos Gemedores, do escritor grapiúna, filho de Itabuna, Cyro de Mattos, lançado pela Editora LetraSelvagem, do meu amigo, também escritor, Nicodemos Sena, que conheci ainda no meu tempo de estudante nas Arcadas.
A temática do livro não é desconhecida: retrata o início do cultivo do cacau no Sul da Bahia, tema que também está presente na obra de Jorge Amado, outro escritor da terra, de sucesso internacional.
Impossível, pois, não traçar um paralelo.
Assim como na obra de Jorge Amado, encontramos em Os Ventos Gemedores o sertanejo que fugiu da seca, na caatinga, e veio para esta terra de verde perene; uns poucos, mais espertos, violentos, ambiciosos, grilaram terra, mataram pessoas e estabeleceram extensas fazendas de cacau; outros, encontraram a miséria e a humilhação.
Os armazéns nas fazendas, onde os trabalhadores se endividavam e ficavam presos aos patrões; o trabalho extenuante, de sol a sol; as doenças da época, impaludismo e tifo; picadas de cobra; tocaias; estupros, prostituição e até resquícios de religiosidade afro-brasileira são elementos presentes nas narrativas dos dois escritores.
Porém, um elemento ausente na obra de Jorge Amado foi retratado em Os Ventos Gemedores: o indígena.
Cyro de Mattos aponta o indígena como o dono originário da terra, expulso pelo sertanejo que veio abrir roça de cacau. Em Jorge Amado, o indígena não é mencionado.
Isso me chamou a atenção, porque no conflito pela posse da terra que se arrasta há mais de dez anos a primeira reação do não indígena foi negar a condição de indígena aos Tupinambás, afirmando que nunca teve índio na região.
O conflito só começou a se arrefecer quando as partes começaram a dialogar e a se reconhecerem como se veem: indígenas de um lado e agricultores familiares, de outro. A diferença física entre a maioria dos agricultores familiares e os indígenas é o uso do cocar por estes.
Deveras, a realidade socioeconômica do cacauicultor atualmente é totalmente distinta do passado; hoje prevalece o pequeno agricultor, em regime de economia familiar. Atribui-se à vassoura de bruxa, praga que chegou à lavoura de cacau há cerca de um quarto de século, a causa da decadência das grandes fazendas; mas, digo eu, foi a entrada em vigor da Constituição de 1988 que sepultou o modelo de produção semiescravista que caracterizava a cacuicultura.
O reconhecimento mútuo como integrantes de uma mesma nação – ainda que com valores culturais distintos – é que propiciará a construção de um futuro próspero e pacífico na região. Quando, então, as histórias de violência, tocaias, estupros, grilagem, escravidão e humilhação só serão encontradas nas páginas dos livros.
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*Lincoln Pinheiro Costa é juiz federal e ex-procurador da Fazenda Nacional. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. Membro do Instituto Santiago Dantas de Direito e Economia e colunista da CBN/Salvador.